Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mar artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome noco é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
O texto é de 1987, mas o
assunto é atual... ostentação! Vestir uma marca para ser aceito em um grupo ou
para exibir status social acabou por deixar com que a juventude perca sua
personalidade ou característica. Basta observar que nas festinhas e nos "points"
todos se vestem quase da mesma maneira, como se tivessem saído de uma esteira
de produção e não do quarto ou banheiro em que, após se arrumarem, foram
tiradas algumas fotos para colocarem nas redes sociais mais tarde.
Será que ao usarmos essas
peças com logomarcas enormes, muito coloridas e bem destacadas estamos pagando
para fazer propaganda para os fabricantes? Afinal de contas, se adquirimos
um tênis que custa em torno de R$ 1.000,00 (isso é muito mais que o salário de
um mês inteiro do suor de muitos trabalhadores!) que vem com uma logomarca que
pode ser vista há metros de distância, estamos fazendo propaganda grátis para
quem já recebeu muito mais que a matéria prima utilizada para confeccionar o
produto. Tudo por conta de uma etiqueta!
A identidade e personalidade
de cada um deveria ser caracterizada pelo estilo, pelo jeito de ser e de pensar
e não pela peça utilizada. Valorizemos mais o que somos e não o que temos, pois
bens materiais tem vida útil, nossas características, não. E sabe aquele tênis
de R$1.000,00 que você comprou no mês passado? Hoje é obsoleto, está em
promoção e tem um novinho ocupando o lugar de destaque na vitrine da loja.
Raquel Colletes
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A aula inicial foi ministrada ao 9º ano E pela professora Raquel e a temática explorada nas aulas de Português. A tarefa proposta foi para que produzissem um artigo de opinião, utilizando os vários argumentos utilizados durante a roda de discussão para fundamentar seu texto. Confiram alguns textos na página "Produção de texto".